A autotutela e a heterotutela são dois traços muito
marcantes na comparação do sistema administrativo britânico com o sistema
administrativo francês. A sua evolução ocorreu em moldes muito específicos
atendo aos circunstancialismo históricos pelo que a melhor maneira de a
compreender é situá-la em cada momento e
descrevê-la.
Assim, comecemos pelo período do Liberalismo. O sistema francês foi sempre muito marcado
pela ideia de que a administração tinha privilégios, poderes exorbitantes que
se manifestavam, por exemplo, no poder
de definição autoritária da conduta de outrem e na sua imposição
coerciva. A administração francesa impunha assim a sua vontade obrigando os
particulares a cumprir aquilo que tinha decidido. Situamo-nos portanto no
âmbito da autotutela. Importa destacar aquele que era considerado o poder mais
exorbitante da administração. Falo pois do privilégio da execução prévia. Por
este instituto entende-se a execução pela administração, sem decisão judicial prévia,
da sua definição unilateral do direito para determinada situação jurídica. Em
termos práticos isto significa que quando um órgão da administração francesa
toma uma decisão desfavorável para um particular e este não a acata
voluntariamente, esta pode impor coercivamente o seu respeito, inclusive
recorrendo às forças policiais, sem a necessidade de se dirigir a um tribunal.
No quadro do sistema britânico a lógica é outra, a
da heterotutela. Isto significa que a administração decide mas não pode impor
as suas decisões por autoridade própria. Ou o particular voluntariamente cumpre
o que a administração decidiu ou esta tem de ir a tribunal para conseguir que a
sua decisão seja cumprida. Percebemos portanto que a heterotutela só funciona em
casos de litígio ou seja, quando o particular não cumpre, o que é excepção.
Com a passagem para o Estado-social inicia-se um processo de aproximação dos dois
sistemas, de esbatimento das suas fronteiras ainda que muito ténue no seu
início. Falamos, no sistemas francês, na introdução de uma maior exigência no
exercícios dos poderes públicos. Começa então a falar-se num poder de execução
prévia que existe, apenas, nos termos da lei. A autotutela é portanto limitada por
uma regra que decorre do princípio da legalidade.
Do lado francês assistimos a uma aproximação à
autotutela, ainda que organicamente limitada, com o surgimento dos administrate tribunals (não são
tribunais (courts), são órgãos da administração). Estes administrate tribunals tem poderes de autotutela, de
execução das suas decisões. Mas tal não significa que a administração tenha
ganho, no seu conjunto, poderes de execução das suas decisões. Pelo contrário esta
autotutela é limitada organicamente, é exclusiva dos tribunals.
O desenvolvimento a partir dos anos 70 até aos dias de hoje vem confirmar a evolução anteriormente
iniciada. A grande alteração provém do
lado francês: a ideia de que a administração tem privilégios exorbitantes é,
nos dias de hoje, inaceitável. Assim, a autotutela sofreu uma forte limitação
fundada no princípio da legalidade. Verifica-se então uma aproximação da lógica
britânica, onde apenas certos órgãos em certas matérias gozam desse poder, não
sendo este absoluto.
Mariana Terra da Motta
140112004
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