terça-feira, 11 de março de 2014

Autotutela e Heterotutela. Quid Juris?

A autotutela e a heterotutela são dois traços muito marcantes na comparação do sistema administrativo britânico com o sistema administrativo francês. A sua evolução ocorreu em moldes muito específicos atendo aos circunstancialismo históricos pelo que a melhor maneira de a compreender é situá-la  em cada momento e descrevê-la.

Assim, comecemos pelo período do Liberalismo.  O sistema francês foi sempre muito marcado pela ideia de que a administração tinha privilégios, poderes exorbitantes que se manifestavam, por exemplo, no poder  de definição autoritária da conduta de outrem e na sua imposição coerciva. A administração francesa impunha assim a sua vontade obrigando os particulares a cumprir aquilo que tinha decidido. Situamo-nos portanto no âmbito da autotutela. Importa destacar aquele que era considerado o poder mais exorbitante da administração. Falo pois do privilégio da execução prévia. Por este instituto entende-se a execução pela administração, sem decisão judicial prévia, da sua definição unilateral do direito para determinada situação jurídica. Em termos práticos isto significa que quando um órgão da administração francesa toma uma decisão desfavorável para um particular e este não a acata voluntariamente, esta pode impor coercivamente o seu respeito, inclusive recorrendo às forças policiais, sem a necessidade de se dirigir a um tribunal.

No quadro do sistema britânico a lógica é outra, a da heterotutela. Isto significa que a administração decide mas não pode impor as suas decisões por autoridade própria. Ou o particular voluntariamente cumpre o que a administração decidiu ou esta tem de ir a tribunal para conseguir que a sua decisão seja cumprida. Percebemos portanto que a heterotutela só funciona em casos de litígio ou seja, quando o particular não cumpre, o que é excepção.

Com a passagem para o Estado-social inicia-se um processo de aproximação dos dois sistemas, de esbatimento das suas fronteiras ainda que muito ténue no seu início. Falamos, no sistemas francês, na introdução de uma maior exigência no exercícios dos poderes públicos. Começa então a falar-se num poder de execução prévia que existe, apenas, nos termos da lei. A autotutela é portanto limitada por uma regra que decorre do princípio da legalidade.

Do lado francês assistimos a uma aproximação à autotutela, ainda que organicamente limitada, com o surgimento dos administrate tribunals (não são tribunais (courts), são órgãos da administração). Estes administrate tribunals tem poderes de autotutela, de execução das suas decisões. Mas tal não significa que a administração tenha ganho, no seu conjunto, poderes de execução das suas decisões. Pelo contrário esta autotutela é limitada organicamente, é exclusiva dos tribunals.

O desenvolvimento a partir dos anos 70 até aos dias de hoje vem confirmar a evolução anteriormente iniciada.  A grande alteração provém do lado francês: a ideia de que a administração tem privilégios exorbitantes é, nos dias de hoje, inaceitável. Assim, a autotutela sofreu uma forte limitação fundada no princípio da legalidade. Verifica-se então uma aproximação da lógica britânica, onde apenas certos órgãos em certas matérias gozam desse poder, não sendo este absoluto.  


Mariana Terra da Motta
140112004

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